A Gourmetização do Caos – COLUNA MISE EN PLACE, por Bruno Bertani

 em Bruno Bertani, Colunistas, Gastronomia

“Gourmet” é um termo de origem francesa, que faz referência a um conhecedor da boa mesa, bons vinhos e apreciador da boa gastronomia. Este termo apareceu pela primeira vez no livro A Fisiologia do Gosto, do gastrônomo francês Jean Anthelme Brillat-Savarin.

Nos dias atuais, o termo “gourmet” é banalizado e erroneamente utilizado para diferenciar um produto, seja ele de origem vegetal ou animal. O raio gourmetizador atingiu altos patamares do absurdo, transformando pratos referência das nossas raízes e patrimônio da nossa culinária em produtos superfaturados.

É comum nos deparamos com a gourmetização em cada esquina, do caldo de cana à coxinha, cada um à sua maneira, seja incluindo ingredientes que chegam ao cúmulo do absurdo, reinvenções que chegam a ser grotescas ou até utilizando-se uma linguagem mais floreada, por assim dizer, tudo isso para agregar mais valor ao produto nem o nosso singelo e honesto sagu escapou desta cilada.

Agora, imagine um bolo com cobertura de chocolate, o cidadão substituiu o bom e velho chocolate que te acompanhou por toda sua infância por algumas colheres de nutella (que nem é tudo isso, rs) e colocou em uma caixinha decorada. Pronto, ele acabou de criar uma sobremesa gourmet. Isso nada mais é do que uma estratégia de marketing totalmente equivocada, sem contexto, que aliada à mídia, foi se alastrando de norte ao sul do país.

Auguste Escoffier e Paul Bocuse devem se revirar no caixão ao verem tais atrocidades sendo cometidas por conta do modismo. O que me espanta é ver cozinheiros e confeiteiros – que, na minha opinião, por obrigação da profissão, devem ser os primeiros a irem contra este modismo – indo na mesma onda e utilizando deste artifício para passar uma imagem de qualidade superior (isso nem sempre acontece, pois tem muito gato sendo comprado por lebre), além de supervalorizar o valor do produto.

Veja só, eu não estou criticando por serem criativos ou ousados, somente estou colocando um ponto de vista profissional, pontuando que, na grande maioria das vezes, quando você vê a palavra “gourmet” em qualquer produto, é praticamente decepção na certa. E não precisa ir longe, basta abrir suas redes sociais e, alguns cliques em canais gastronômicos, começa a se ver a sessão horrores. Se o cozinheiro trabalha com produtos de alta qualidade, nada mais justo ele cobrar por isso, pois além do fato de utilizar produtos de altíssima qualidade, ainda tem o seu trabalho e conhecimento para executar com maestria aquele prato. Porém, nem sempre existe qualidade sem ter um preço agregado.

Talvez esta seja uma opinião conservadora, de um cozinheiro e estudioso gastronômico que aprende todos os dias, com seus experimentos e com suas literaturas. Além do mais, não querendo ser extremista, mas quando passa mais do que quatro ingredientes principais no seu prato, a probabilidade daquilo virar um carro alegórico ou se transformar num caos é muito grande. Digo isto porque a maioria dos clássicos, que transcenderam épocas, foram elaborados com poucos ingredientes e muita técnica.

Quer diferenciar seus produtos? Comece pelos ingredientes, seja honesto consigo e seus clientes, esta é uma receita de sucesso que deveria ser levada ao pé da letra. E, para finalizar, como sempre digo aos meus alunos: Você pode ser um gourmet, porém seu produto jamais!

 

Bruno Bertani é cozinheiro profissional formado pelo Instituto Gastronômico das Américas (IGA). Desde 2014, o chef é proprietário da BF Gastronomia Personalizada, que tem como foco a culinária nacional e internacional para eventos sociais e corporativos. Ainda atua como professor de gastronomia e Consultor Gastronômico para Bares e Restaurantes. É também um grande apreciador de vinhos e grande entusiasta da culinária rústica sobre brasa.

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