A Leveza do Tempo – COLUNA RECEITA DE ESCRITA, por Cláudia Moreira

 em Cláudia Moreira, Colunistas, Cultura

Eles vinham, lá longe, de mãos dadas. O sol impedia minha visão, mas eu os reconheceria até de olhos fechados. Vinham conversando, devagarzinho, como só o tempo ensina. O andar não tinha pressa, mas prazer na companhia um do outro. Fiquei olhando e me emocionei. Eles estavam velhinhos e eu, até então, não tinha notado. Um misto de ternura, amor e medo tomou conta de mim. Ao mesmo tempo, senti-me feliz por estar aprendendo a ver o ciclo da vida com olhos de enxergar.

A cada passo deles, uma lembrança. A minha infância se descortinava. A correria de arrumar quatro meninos para a escola, a loucura de educar, de brincar, de carregar para a casa das amigas. A correria. Meus pensamentos também corriam na minha cabeça. Eu via a nossa casa em movimento e eles, em ação, cheios de energia.

Notei que os dois sentaram em um banco, talvez, porque estivesse muito sol. Eles não me viam. E eu, ali, viajando em um tempo paralelo. Senti o cheiro da adolescência, com as festas, as conversas, as mudanças de humor. E eles, sempre presentes, correndo, cheios de vitalidade, com pressa, com a ânsia de viver.

Levantaram do descanso e vieram, sempre de mãos dadas, em direção ao edifício onde moravam. De repente, um vento inesperado, como a vida, levou o chapéu dela. Eles não correram desta vez. O chapéu foi embora. Eles continuaram a caminhada lenta e prazerosa, deixando para trás aquilo que não era tão importante.

No banco da praça, vi que ele esqueceu o lenço que carregava, mas nem se deu conta. Aquilo também não devia ser importante. Um pé na frente do outro. Eles vinham assim, conversando, rindo e deixando o peso para trás. E a cada passo deles, a sensação era de que eu ficava mais velha.

Já bem pertinho, encontraram um amigo e ali, ficaram uma meia hora proseando. Não havia pressa nas palavras. Eu continuava viajando no tempo paralelo. Lembrei da alegria deles com as minhas conquistas, no apoio deles nas minhas derrotas, na felicidade do meu primeiro, segundo, quinto emprego, nas gravidezes, nas aventuras… Meu pensamento flutuava como uma pipa no ar. Eu revivia minha vida e a deles comigo. Vida, energia, vitalidade, jovialidade…

Os dois me viram e chegaram com um sorriso vitorioso no rosto. Todo dia era uma caminhada pela vida. Os dois me deram um abraço gostoso e apertado como só a vida ensina a dar. Demoramos muito, filha?

 

Ilustração: @igor.baldez

 

Cláudia Moreira é mestranda em Escrita Criativa (Uniandrade/PR), formada em Letras e Jornalismo (Uniceub- DF), com especializações em Revisão e Produção Textual (FAE-PR), Desenvolvimento Sustentável (UNB-DF) e Master em Jornalismo (IICS-SP). Tem vários livros publicados, entre eles, Receita de Escrita. É sócia-proprietária da Editora Ponto Vital (PR) e professora de Escrita do Solar do Rosário em Curitiba.

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