Ela Disse destaca início do movimento Me Too e reverencia o jornalismo investigativo – FILMES, por Rudney Flores
A força do jornalismo investigativo é mais uma vez reverenciada nas telas com Ela Disse, principal estreia desta semana nos cinemas brasileiros, produção que trata do rumoroso caso de assédios sexuais e estupros realizados do famoso produtor hollywoodiano Harvey Weinstein, atualmente cumprindo pena de 23 anos de prisão por atacar funcionárias de sua empresa e também atrizes dos filmes que produzia, algumas famosas com Ashley Judd, Gwyneth Paltrow e Mira Sorvino, as duas últimas vencedoras do Oscar – ele ainda responde a diversos processos e pode ter a pena aumentada.
Dirigido pela cineasta alemã Maria Schrader (O Homem Ideal), o filme apresenta o processo de investigação realizado pelas jornalistas Megan Twohey (Carey Mulligan, indicada ao Oscar de melhor atriz por Bela Vingança e Educação) e Jodi Kantor (Zoe Kazan, de Doentes de Amor), do jornal The New York Times, entre 2015 e 2017 – e que as levou a ganhar o prêmio Pulitzer, um dos mais importantes nos Estados Unidos nas áreas de jornalismo, literatura e composição musical.
Com um grande trabalho, a dupla levantou diversos casos de assédio de Harvey Weinstein, conseguindo que muitas mulheres o acusassem formalmente, o que marcou o início do movimento Me Too, de mulheres que deixaram de se esconder e passaram a denunciar seus agressores sexuais.
Harvey criou, ao lado do irmão Bob, no fim da década de 1970, a Miramax (junção dos nomes de seus pais, Mira e Max), produtora que alguns anos depois lançaria filmes independentes de diretores em início de carreira e que logo se tornariam grandes cineastas – Steven Soderbergh (Sexo, Mentiras e Videotape) e Quentin Tarantino (Cães de Aluguel e Pulp Fiction). Com o sucesso, a empresa foi adquirida pelo grupo Disney, tornando-se uma das principais de Hollywood.
O produtor passou a jogar cada vez mais pesado e há suspeitas de que teria “comprado” alguns Oscars para filmes da produtora, através de grande divulgação e mimos para os votantes da Academia – o caso mais notório foi o da insossa comédia Shakeaspeare Apaixonado (1997), vencedora das estatuetas de melhor filme e melhor atriz para uma ainda inexperiente Paltrow (que ganhou de Fernanda Montenegro, indicada por Central do Brasil).
Mas bons filmes da Miramax também foram laureados com vários Oscars, como O Paciente Inglês e o musical Chicago. Em 2004, Harvey cavou quatro indicações à estatueta dourada para o brasileiro Cidade de Deus (direção, roteiro, montagem e fotografia), de Fernando Meirelles, mesmo com a produção tendo sido ignorada um ano antes pelos votantes da categoria melhor filme estrangeiro.
O mesmo estilo agressivo era adotado pelo produtor em suas relações pessoais. E é disso que trata Ela Disse. Durante mais de 20 anos, Harvey assediou fortemente atrizes e funcionárias da Miramax, mas escapou de vários processos através de pagamentos em dinheiro e acordos de confidencialidade, uma espécie de rede de proteção que unia advogados e até procuradores. Hollywood também refletia o ambiente machista e tóxico de outras grandes áreas e corporações, e Harvey se mostrava incontrolável no abuso de todo o seu poder para avançar nas mulheres que lhe interessavam.
Ao estilo do clássico Todos os Homens do Presidente, sobre o caso que levou o presidente norte-americano Richard Nixon à renúncia, no início dos anos 1970, e do recente e oscarizado Spotlight – Segredos Revelados, sobre as acusações de pedofilia da Igreja Católica nos Estados Unidos, Ela Disse acompanha o excelente e persistente trabalho investigativo de Megan Twohey e Jodi Kantor, que contaram com o total apoio da cúpula do jornal na pesquisa e busca das mulheres atacadas por Weinstein.
O filme também investe na emoção das personagens – com boas atuações de Mulligan e Kazan, além de coadjuvantes de destaque como Samantha Morton (Poucas e Boas), que vive uma das assediadas, e Ashley Judd, que interpreta a si mesma; a voz de Paltrow aparece em uma conversa telefônica com Kantor. Além de serem mulheres, as jornalistas eram mães de meninas pequenas durante todo o processo. E muitos dos depoimentos também causam revolta e repulsa, mesmo o filme não apresentando em nenhum momento algo explícito – o personagem de Weinstein nunca tem o rosto mostrado, só aparece de costas.
Como tudo, o movimento Me Too também teve problemas, levando há algumas acusações falsas que acabaram com algumas reputações, mas sua importância é inegável, e Ela Disse reforça isso. Nos últimos anos, o processo criminal de Weinstein e outros semelhantes ajudaram a alterar e modernizar diversas leis sobre assédio e também a mudança de comportamento de empresa e grandes corporações com relação ao tema. Cotação: Ótimo.
Trailer de Ela Disse:
Nacionais
Em seu novo longa-metragem, Sol, a diretora Lô Politi (Jonas, Alvorada) apresenta uma história de reencontro com o passado e dolorosas memórias. Theo (Rômulo Braga, de Sangue Azul), recém-separado, descobre que o pai Theodoro (Everaldo Pontes, de King Kong en Assunción), o qual o abandonou quando criança, ainda está vivo.
Ao lado da filha, ele vai ao encontro do velho internado em um hospital no interior do Brasil. A jovem cria uma conexão rápida com o avô e Theo precisa reatar o convívio com um homem que odiou por toda a vida. O filme estreia apenas no (Cinépolis Pátio Batel).
Trailer de Sol:
A diretora Moara Passoni estreia em longas-metragens com Êxtase, filme experimental que mistura documentário e ficção para contar a história real de Clara, uma jovem que luta contra a anorexia. Revelando as dificuldades da protagonista em lidar com a doença, a diretora também insere reflexões sobre medo e vulnerabilidade em uma reunião difusa de imagens e sons. A produção tem lançamento apenas no Cine Passeio.
Trailer de Êxtase:
Pronto, Falei, nova comédia brasileira dirigida por Michel Tikhomiroff (Confia em Mim), destaca a história do tímido Renato (Nicolas Prattes, de O Segredo de Davi), que nunca fala o que pensa realmente às pessoas. Ele escreve vários textos sobre suas percepções de cada um, ofendendo muitos, e arquiva no computador do jornal em que trabalha. Mas um dia, esse material é enviado para todos e ele fica em maus lençóis.
Para salvá-lo, Edgar (Rômulo Arantes Neto, de Mais Forte Que o Mundo) propõe um trato: ele assume a culpa pelas ofensas e Renato passa a escrever sua coluna de jornal. O que parece ser uma grande solução também pode trazer maiores problemas a Renato.
Trailer de Pronto, Falei:
Outras estreias
Em seu novo filme, o diretor Noah Baumbach (A Lula e a Baleia) adapta para as telas Ruído Branco, best seller do escritor Don DeLillo, publicado em 1985. A história apresenta Jack (Adam Driver, indicado ao Oscar de melhor ator por História de um Casamento) e Babette (Greta Gerwig, indicada ao Oscar de direção por Lady Bird), que vivem com quatro filhos numa pequena cidade dos Estados Unidos.
Um acidente industrial, que gera um evento tóxico, transforma a vida local e também a do casal, que passa a enfrentar situações muitos estranhas. O filme, que estreia apenas no Cine Passeio, tem lançamento previsto na Netflix para o dia 30 de dezembro.
Trailer de Ruído Branco:
Adèle Exarchopoulos (Azul É a Cor Mais Quente) estrela o drama francês Bem-Vindos a Bordo, estreia de Julie Lecoustre e Emmanuel Marre na direção de longas-metragens. A atriz vive Cassandra, uma jovem aeromoça que trabalha em uma companhia aérea regional na França.
Aos 26 anos, ela tem uma vida típica dos millenials, ligada a rede sociais, festas e um certo tédio, e cheia de muitas dúvidas sobre seu futuro, principalmente quando um fato inesperado acontece. A produção estreia apenas no Cineplex Batel.
Trailer de Bem-Vindos a Bordo:
Ambientado durante a Guerra da Coreia (1950-1953), o filme Irmãos de Honra, dirigido por J.D. Dillard, traz a história real da amizade entre dois pilotos de caça norte-americanos que lutaram no conflito, Jesse Brown (Jonathan Majors, de Vingança & Castigo), primeiro aviador naval afro-americano da marinha dos Estados Unidos, e Tom Hudner (Glen Powell, de Top Gun – Maverick). Ao enfrentar grandes batalhas aéreas, os dois viram lendas militares de seu país.
Trailer de Irmãos de Honra:
Crédito da foto: Divulgação/Universal Pictures
Rudney Flores é jornalista formado pela PUCPR, assessor de imprensa e crítico de cinema, com resenhas publicadas nos jornais Gazeta do Povo e Jornal do Brasil.