Perfume da Felicidade – COLUNA RECEITA DE ESCRITA, por Cláudia Moreira
Não me lembro quanto tempo faz, mas recordo do cheiro do perfume da felicidade. Era um aroma natural, meio puxado para a alfazema, com mix de folhas e rosas. Minha poção mágica era única e sempre me garantiu um sorriso no rosto e uma autoconfiança além da conta. Só que este segredo era bem maior do que eu imaginava e, portanto, nem eu sabia decifrá-lo, até então.
Desde que me entendo por gente, minha mãe me presenteava com um vidrinho, estilo embalagens mágicas de Harry Potter, com um líquido maravilhoso dentro dizendo que o perfume era da felicidade. Nunca duvidei. Usava aquilo todos os dias após o banho e saía acreditando que a felicidade era minha companheira. Colocava o perfume e o bem-estar aparecia como que milagre.
Meu vidrinho era algo que jamais faltava na mala de viagem, nos compromissos importantes, nos afazeres até mais banais. Com ele, eu estava pronta para a batalha da vida. A impressão é que eu era imbatível, tipo os super-heróis. A curiosidade, certa feita, bateu à minha porta e aí, eu comecei a me interessar no preparo daquele segredo. Observei a minha mãe, no jardim, colhendo ervas, e, na cozinha, preparando o meu perfume. O cheiro se espalhava pela casa e a felicidade invadia meu peito e minha alma. Era lindo vê-la entregue à tarefa. Ela cantava, movia-se como o vento, queimava como o sol, à maneira de feiticeiras que tudo sabem. A magia do momento me prendeu. Eu acreditei mais ainda na força daquele perfume. Ninguém era tão feliz quanto eu!
Como nada é para sempre… Estava em uma correria frenética porque tinha uma entrevista importante de emprego. Acho que estava atrasada e bastante ansiosa. Sem querer, esbarrei no meu frasco mágico e ele se espatifou no chão. Senti o cheiro da felicidade se esvaindo pelo ralo e até tentei pegá-la com as pontas dos dedos, mas me cortei com os cacos de vidro. Sangue sem felicidade. E agora? Era um sinal de que eu iria fracassar? Tentei mais uma vez pegar algumas gotas do líquido precioso, agora vermelho, sem sucesso. Eu estava fadada à tristeza, ao infortúnio, à derrota. Toda minha segurança se despedaçou.
Sentei no chão, sem forças. Era como Sansão sem os cabelos; Medusa sem as cobrinhas; Davi sem o estilingue. E agora? Fiquei meio atônita por um longo tempo ali, inerte. O telefone tocou ou era a campainha? Tudo ficou preto e branco. O chão desapareceu e acho que perdi os sentidos. Acordei, não sei precisar quando, com o cheiro da felicidade ao meu lado. Sorri.
Minha mãe estava ali, cuidando de mim, devidamente “vestida” com suas ervas. O cheiro me dava vida. Entendi que a felicidade voltara, embora eu não estivesse usando meu perfume. Como assim? Fiquei olhando a dona Lurdinha, linda, perfumada e compreendi tudo. O segredo era esse. O enigma fora revelado 50 anos depois.
Ilustração: @igor.baldez
Cláudia Moreira é mestranda em Escrita Criativa (Uniandrade/PR), formada em Letras e Jornalismo (Uniceub- DF), com especializações em Revisão e Produção Textual (FAE-PR), Desenvolvimento Sustentável (UNB-DF) e Master em Jornalismo (IICS-SP). Tem vários livros publicados, entre eles, Receita de Escrita. É sócia-proprietária da Editora Ponto Vital (PR) e professora de Escrita do Solar do Rosário em Curitiba.