Faxinando Conceitos – COLUNA RECEITA DE ESCRITA, por Cláudia Moreira

 em Cláudia Moreira, Colunistas, Cultura

Você já fez faxina hoje? Na sua casa ou dentro de você? É interessante pensar que todos nós temos um pouco de faxineiras ou de garis. Limpamos, lavamos e jogamos fora o que não presta. Gostamos de sentir aquele cheirinho de produtos de limpeza, ver que a casa, a rua e a cidade estão belas, com flores e sem sujeira. Amamos tomar banho e ver o suor do dia escorrer pelo ralo, olhar para a pia e verificar que não há louça, dar uma volta em um carro sem poeira e ir trabalhar com um sapato sem barro e uma roupa sem manchas. E assim, podemos enumerar nosso dia a dia de “limpadores”. Só tem um probleminha: esquecemos, às vezes, de dar uma desempoeirada na mente e aí, ela fica dando umas vaciladas bem feias, criando preconceitos sem sentido.

Flor sabe disso. Ela carregava uma vassoura que acabara de comprar para o filho. Entrou no elevador, sorriu e deu um bom dia. O moço com traços orientais que ali estava, mudo ficou. Claro, ele não fala português! Logo depois, um rapaz pegou carona para o térreo e, muito simpático, cumprimentou a todos. O moço oriental, educadíssimo, respondeu em português. Claro, ele não ouviu a Flor direito! Ela, então, chegando na garagem deu adeus em alto e bom som. O moço brasileiro, com traços orientais e educadíssimo olhou para o outro lado e fez cara de poucos amigos. Flor ficou sem entender, aliás, eu também.

Na feira, ali do lado da casa de Maria, em um bairro nobre de Curitiba, ocorreu uma coisa bem semelhante e, por isso, acredito que o problema não tenha sido a vassoura. Maria pediu a uma feirante que cortasse a abóbora em pedaços. Imediatamente, a jovem perguntou: mas é para você ou para sua patroa? Maria ficou sem entender, aliás, eu também.

E a poeira na mente continua. Paloma residia em um hotel. Saiu rapidamente no corredor para jogar o lixo. Encontrou um morador e já pediu desculpas por não estar com a máscara de proteção contra a Covid. O rapaz olhou para ela de cima a baixo e, sem pestanejar, pediu que fosse logo arrumar o quarto dele. Agora o problema não era nem a vassoura e nem a abóbora. Paloma ficou sem entender, aliás, eu também.

Ainda neste hotel, Fernanda, sentada dentro do apartamento, ouve um barulho na fechadura. Devia ser o marido que esquecera-se da chave. Correu e abriu a porta. Lá fora uma senhora com a filha de uns 10 anos, forçando a entrada com, obviamente, uma chave errada. Sem pedir desculpas, ela simplesmente virou para a menina e falou: ainda estão limpando…Deu as costas e foi embora, levando a mente empoeirada e sem faxina pra casa, e o pior, ensinando a criança a fazer o mesmo. Acho que o problema, desta vez, não foi a vassoura, nem a abóbora, nem a máscara. Fernanda ficou sem entender, aliás, eu também.

Flor, Maria, Paloma e Fernanda somos todas nós. Profissionais de várias áreas, mulheres e, por que não, faxineiras. A diferença, talvez, seja que elas sabem passar um paninho na mente para tirar a sujeira, que nada mais é do que o preconceito que adora pisar no outro e considerá-lo menor só porque este outro é diferente. Agora, me dê licença que vou faxinar minha cabeça. Afinal, eu entendi.

 

Ilustração: @igor.baldez

 

Cláudia Moreira é mestranda em Escrita Criativa (Uniandrade/PR), formada em Letras e Jornalismo (Uniceub- DF), com especializações em Revisão e Produção Textual (FAE-PR), Desenvolvimento Sustentável (UNB-DF) e Master em Jornalismo (IICS-SP). Tem vários livros publicados, entre eles, Receita de Escrita. É sócia-proprietária da Editora Ponto Vital (PR) e professora de Escrita do Solar do Rosário em Curitiba.

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